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Tênis feminino se rendeu ao dinheiro da Arábia Saudita – 08/11/2024 – Marina Izidro

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Fui a um seminário sobre esporte e geopolítica aqui em Londres nesta semana. O palestrante falou sobre a estratégia do pão e circo do Império Romano, no qual divertir o povo com gladiadores desviava o interesse da população da política. Lembrou que o fascista Benito Mussolini e o nazista Adolf Hitler usaram a Copa do Mundo de 1934 e os Jogos Olímpicos de 1936, respectivamente, como propaganda de seus regimes autoritários, e apontou que Vladimir Putin faz o mesmo.

Chego em casa, ligo a TV e vejo tenistas sorridentes disputando um torneio feminino na Arábia Saudita, um dos lugares mais restritivos do mundo em relação aos direitos das mulheres. E não é qualquer campeonato, é o WTA Finals, que reúne as oito melhores do ranking e encerra a temporada. Semanas antes, Carlos Alcaraz tinha passado pelas quadras de Riad no torneio de exibição 6 Kings Slam.

Os sauditas investiram pesado em futebol, golfe, boxe e Fórmula 1 e miram o tênis. Não é amor ao esporte, é “business”. Parte da estratégia de diversificar investimentos e gerar receitas além do petróleo. Imagino o que deve passar pela cabeça das mulheres sauditas, vendo estrangeiras com as pernas de fora sendo aplaudidas em seu país e ganhando milhões, enquanto elas são presas por pedir direitos básicos. Até 2018, por exemplo, as sauditas não podiam dirigir, ir ao cinema nem a estádios de futebol.

Ativistas sauditas pediram às tenistas que não se calassem e usassem a fama para chamar a atenção sobre o tema. O dinheiro da Arábia Saudita comprou até o silêncio de Lionel Messi. Segundo o jornal The New York Times, seu contrato com autoridades de turismo proíbe que o jogador critique o reino. E Rafael Nadal se tornou embaixador da Federação Saudita de tênis.

Jannik Sinner, vencedor do 6 Kings Slam, saiu de lá com um cheque de US$ 7,5 milhões (R$ 43 milhões). Aí, alguém vai dizer: ah, mas como resistir a uma bolada dessas?

Coco Gauff compete no Finals e foi a única a assumir, em entrevista, que estar lá é algo controverso. A número três do ranking disse que não queria “só jogar e ir embora” e que questionou seu esporte sobre planos para ajudar a comunidade LGBTQIA+ e as mulheres. Por fim, disse que estava gostando do que via. Queria saber se Gauff andou nas ruas, no mundo real, ou está só na “bolha” do torneio.

Quem defende diz que é algo bom, porque meninas sauditas podem se inspirar, e que críticas são uma visão preconceituosa do Ocidente. Para outros, é puro “sportswashing” –o uso do esporte para limpar a imagem de um regime.

Fato é que vi pouca discussão sobre o tênis decidir sediar um de seus torneios femininos de maior prestígio (e diante de muitos assentos vazios) em um lugar que não respeita os direitos humanos, as mulheres, a liberdade de expressão, onde homossexualidade é crime.

É preciso debater esses assuntos, não só no ambiente do esporte, também em sociedade. Qual o preço de não fazer nada? Normalizarmos que dinheiro compra tudo, e não há problema nisso. Que o voto e nossa voz não importam. Assim, vão passando Mussolini, Hitler, Putin, Trump, Bolsonaro, tantos outros. Quando não se aprende com a história, pode ter certeza: ela se repete e volta para nos assombrar.


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