Home Politics Disputa por voto evangélico em SP teve ‘tigrinho gospel’ – 06/10/2024 –...

Disputa por voto evangélico em SP teve ‘tigrinho gospel’ – 06/10/2024 – Poder

18
0

Nem só de soco e cadeirada vive um pleito para prefeito de São Paulo. Puxado por Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB), os dois candidatos competitivos da direita, o discurso cristão ensopou a cena eleitoral em 2024.

Marçal se vendeu como Davi, o indômito guerreiro que venceria o Golias da esquerda. Nunes posou de Josafá, que na Bíblia aparece orando enquanto seus adversários destroem uns aos outros.

Guilherme Boulos (PSOL), bem menos dado a acenos religiosos, ganhou de última hora um defensor improvável: Silas Malafaia.

O ranço do pastor carioca com políticos progressistas só não foi maior do que sua briga com Marçal. A dois dias da eleição, Malafaia saiu em defesa do psolista, alvo de um laudo falso divulgado pelo influenciador. O documento o associava ao consumo de cocaína.

O pastor chamou Marçal de “psicopata” e citou Martinho Lutero, prócer da Reforma Protestante, após marçalistas inundarem suas redes para pintá-lo de vira-casaca: “Que o mundo, e não Deus, fique ofendido comigo”.

Ofendido ficou o pastor Ed René Kivitz, farol para a minoria de evangélicos progressistas, com o avanço do influenciador nas igrejas. “Tô impressionado com a teologia coaching”, pregou em sua Igreja Batista da Água Branca.

“Esse jogo religioso é muito semelhante à aposta. ‘Se o pastor liberar a palavra pra mim, me garantir que vou chegar lá, aí eu tô dentro’.” Vêm aí, lamentou Kivitz, a “Church Bet” e o “tigrinho gospel”.

A esquerda correu por fora nessa corrida pelo voto evangélico. O cabo de guerra se concentrou em Marçal, um evangélico que até pouco tempo preferia não se definir assim, e sim como alguém que leva o cristianismo como “lifestyle”, e Nunes, católico praticante.

O primeiro não tem o apreço de pastores com quilate na cena evangélica. O segundo foi apoiado por praticamente todos eles. A dupla terminou a primeira etapa eleitoral empatada em pesquisas que mediram a preferência desse eleitorado.

É verdade que alguns nomes influentes no segmento se achegaram ao ex-coach na reta final. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) foi um deles: antes “dar uma chance para a dúvida” (Marçal) do que “engolir esse cara” (Nunes), afirmou.

Marco Feliciano (PL-SP), seu colega no Congresso, também dispensou Nunes, o candidato oficial do bolsonarismo. “Nós vamos eleger um prefeito ou consagrarmos um pastor de igreja aqui em São Paulo? Pergunto isso porque a forma de crer em Deus de um candidato está sendo questionada: a fé de Pablo Marçal”, disse. Não há por que, segundo ele, bombardear um conservador em vez de unir forças contra a “extrema esquerda”, como rotula Boulos.

Nunes foi habilidoso em construir em torno de si um cinturão de pastores. Ladearam com ele o apóstolo Valdemiro Santiago e o pastor José Wellington Bezerra da Costa, dois peixões nos mares evangélicos.

Aliou-se a ele ainda o casal Estevam e Sonia Hernandes, apóstolo e bispa da Igreja Renascer em Cristo, também por trás da Marcha para Jesus. O prefeito começou a campanha em agosto numa missa, na Catedral de Santo Amaro, e a fechou com um culto da Renascer no sábado (5).

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), patrocinador-mor de sua candidatura, foi com ele e subiu no púlpito para falar de tempos empesteados por “tribulação” e “filhos das trevas”. Também comparou o emedebista a Josafá. O personagem do Antigo Testamento, ameaçado por dois povos, orou em vez de partir para cima. No fim, Deus fez com que moabitas e amonitas destruíssem uns aos outros.

Finda a pregação, com Nunes ao lado, disse Tarcísio: “Aqui está o nosso Josafá. O que Josafá fez? Confiou no Senhor e seguiu em frente”. As campanhas de Marçal e Boulos seriam os inimigos que terminaram por se aniquilar, enquanto a Nunes bastaria entregar seu destino a Deus.

Pouco antes, um jovem ergueu o celular na frente do púlpito e fez o M. Governador e prefeito fingiram que não era com eles, e Estevam o repreendeu: “Você pensa que está onde, rapaz?”

Marçal fez o que pode para furar a aliança pastoral em torno do adversário. Deu entrevista à TV do missionário R.R. Soares e visitou José Wellington, por anos presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus.

O nonagenário pastor chegou a fazer o M com as mãos, gesto explorado pelo influenciador em suas redes, mas os filhos do ancião negaram qualquer apoio —a família estava fechada com Nunes, e o pai só recebeu o candidato do PRTB por cortesia, afirmaram.

Marçal também foi à Congregação Cristã no Brasil, igreja que tem como fiel o advogado Tassio Renam, coordenador-geral da campanha e CEO da Marçal Corp.

Ainda: sugeriu que Nunes só conhecia versículos que seu marqueteiro mandou decorar e salpicou sua participação nos debates com pitadas bíblicas. Não se preocupava em explicá-las.

Alguns exemplos: acusou Marina Helena (Novo) de vendê-lo por 30 moedas de prata sem explanar que Judas fez o mesmo com Jesus. Também prometeu um “dia de vingança” para São Paulo, expressão presente no Livro de Isaías. Acenos subliminares que o eleitor cristão pescaria. Quem pegou, pegou.

O ex-coach disse mais de uma vez que se vê como um Davi no imaginário político do país. Já Saul, o primeiro rei de Israel, seria Jair Bolsonaro (PL).

O homem que derrotou o gigante Golias sucedeu o velho monarca, que já não estaria em sua melhor forma. O influenciador enxerga semelhanças da narrativa bíblica com sua história e a do ex-presidente. “Davi tem que ter paciência e honrar Saul até o último dia do governo dele”, disse à Folha em setembro.

Saul foi o primeiro escolhido de Deus para governar Israel, mas O desobedeceu. Seu fim: lançou-se contra uma espada após ver os filhos morrerem. Marçal aponta isso. “Ele próprio acaba com a própria vida. Na história com o Bolsonaro e com o que o Brasil vai viver está a relação de Saul e Davi.”

No fim, as urnas ungiram Nunes como o candidato da direita no segundo turno contra Boulos.

Previous article5 alpinistas russos mortos enquanto escalavam Dhaulagiri no Nepal
Next articleÚnico suspeito do caso Maddie McCann absolvido de acusações de estupro não relacionadas

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here