Bancos não têm obrigação de dar transparência aos valores que cobram por alguns produtos; assessores de investimentos e corretoras em valores mobiliários precisam detalhar tudo aos clientes
A Comissão de Valores Mobiliários exigirá a partir desta 6ª feira (1º.nov.2024) mais transparência de assessores de investimentos ligados a corretoras de valores. Trata-se da Resolução 179 da CVM (íntegra – PDF – 282 kB). As corretoras terão de especificar para todos os clientes quanto cobram de remuneração para cada produto vendido.
Essa exigência da CVM para as corretoras não se estenderá aos bancos, que são regulados pelo Banco Central. A partir de novembro, portanto, o usuário de produtos de investimentos em corretoras saberá detalhadamente quanto está sendo cobrado de comissão pelos serviços. Já um usuário de bancos que poderá consumir os mesmos produtos não saberá em detalhes quanto está pagando.
Essa assimetria de regras entre corretoras e bancos tem provocado controvérsias e críticas. É que de alguns agentes financeiros será demandada uma transparência maior. Os bancos, que poderão seguir sem divulgar com clareza as comissões cobradas, podem ficar numa situação de vantagem sobre as corretoras.
José David Martins Júnior, diretor-geral da Ancord (Associação Nacional das Corretoras de Valores), faz críticas à resolução 179 da CVM. O Brasil tem hoje, aproximadamente, 27.000 assessores de investimentos, sendo que 18.000 estão vinculados a alguma corretora ou distribuidora de valores. Segundo Martins Júnior, esse grupo é fundamental para dar “capilaridade” ao mercado e auxiliar os pequenos investidores.
A resolução da CVM fará com que cada profissional tenha que informar a remuneração com os investimentos em valores mobiliários. A medida dá transparência, algo defendido pela Ancord.
Como os gerentes de bancos não serão impactados pela regra, haverá um desequilíbrio na concorrência entre corretoras e bancos.
Os grandes conglomerados financeiros respeitam regras diferentes das impostas pela CVM. Seguem as normas do Banco Central. Na venda de CDB (Certificado de Depósito Bancário), LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), não será necessária a prestação de informações remuneratórias dos gerentes de bancos. Já ações, debêntures e outros ativos mobiliários estarão sujeitos a uma maior transparência.
VALORES MOBILIÁRIOS
As corretoras e os assessores de investimentos ofertam majoritariamente valores mobiliários. A Ancord estima que 15% do mercado de investimentos sejam de corretoras, enquanto os grandes conglomerados financeiros detêm 85%.
“Como as instituições bancárias são reguladas pelo Banco Central e não pela CVM, e a norma do Banco Central que trata desse assunto não é tão prescritiva como a da CVM, o nosso receio é que ocorra uma arbitragem”, disse o diretor-geral da Ancord.
Segundo definição da CVM, devem ficar submetidos à nova regra a partir de 1º de novembro títulos ou contratos de investimento coletivo que são ofertados publicamente e dão direito de participação, de parceria ou remuneração ao investidor. Leia a seguir uma lista de exemplos desses papeis:
- ações, debêntures e bônus de subscrição;
- cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou clubes de investimento em quaisquer ativos;
- notas comerciais;
- contratos futuros, de opções e outros derivativos;
- cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento;
- certificados de depósito de valores mobiliários;
- cédulas de debêntures.
Não entram na definição os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal e os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira (exceto debêntures).
Segundo Martins Júnior, a associação é favorável à transparência no mercado. Avalia que medidas como essas podem aumentar a educação, captação de mercado e retenção de investidores. A Ancord defende, porém, que seja dado um tratamento igualitário para todos os players do setor –bancos e corretoras.
PEDIDO DE PRAZO MAIOR
A Ancord pediu prazo maior para a Resolução 179 entrar em vigor. A CVM não aceitou. Não há possibilidade de recurso.
Martins Júnior disse que não há problema em dar transparência a produtos como o fundo de investimento, a taxa de distribuição de ofertas públicas e a taxa de corretagem praticada em operações à vista na Bolsa de Valores.
Por outro lado, há outras operações, como o COE (Certificado de Operações Estruturadas), que, segundo o diretor-geral, são mais complexas e exigem um tempo a mais para dar transparência. “A nossa preocupação é de prestar uma informação quantitativa, em uma quantidade enorme de números, que talvez possa mais confundir que ajudar o investidor”, disse Martins Júnior. A Ancord buscou padronizar a divulgação de informações de maneira gráfica, mas a proposta não avançou na CVM. Disse também que contribuiu na audiência pública sobre as mudanças.
Martins Júnior avalia que a cobrança por tratamento isonômico não tem relação com um pedido de falta de transparência, e que a Ancord é favorável a medidas que possibilitem maior atratividade ao mercado.
“A Ancord tem um histórico muito grande de, há anos, investir em educação financeira, não só dos profissionais que atuam no mercado na certificação e credenciamento do assessor de investimento, mas também dos investidores”, disse.
O diretor-geral afirma que conversou com representantes do Banco Central para tratar do tema e que eles foram “receptivos”. Segundo ele, a autoridade monetária está cuidando do assunto, mas observou que a norma da CVM vai entrar em vigor em menos de 1 mês.
O diretor-geral avalia que, com a entrada em vigor, a concorrência entre empresas pode ser prejudicada, porque investidores podem ser influenciados com a assimetria de informações.
“Quando eu digo o comissionamento do produto, a remuneração, e você vai em outra casa que diz que não cobra isso, tanto que não precisa informar. Isso pode gerar uma arbitragem e isso não é bom para o crescimento do mercado”, declarou Martins Júnior.
ABAI PROCURA CADE
A Abai (Associação Brasileira de Intermediários) se reuniu com representantes do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 30 de setembro para tratar de possíveis impactos concorrenciais. Até agora, não houve consequências práticas desse encontro.
O QUE DIZ A CVM
A CVM declara que deliberou sobre o assunto em 10 de setembro com a Ancord. Disse que a resolução 179 passou por análise de impacto regulatório e por audiência pública. Afirma que, apesar de estar em interlocução com o Banco Central para esclarecer regras harmônicas para a distribuição de produtos financeiros, a distribuição de valores mobiliários “tem diferenças fundamentais para a distribuição de produtos originados e distribuídos por instituições financeiras”.
A CVM sustenta também que num relatório já havia afirmado que “considerações de natureza comercial dos intermediários, embora não devam ser desprezadas, tampouco podem se sobrepor ao acesso do investidor a tais informações”. E argumenta assim a decisão de não conceder mais prazo para colocar a regra em vigor: “Com base também no exposto e acompanhando as conclusões das áreas técnicas, o colegiado decidiu indeferir os pedidos apresentados”.
O QUE DIZ O BC
O Banco Central declara que não comenta processos ou decisões judiciais.
O QUE DIZ O CADE
O conselho não respondeu.
O QUE DIZ A FEBRABAN
A Federação Brasileira de Bancos enviou nota ao Poder360: “Os bancos têm participado da discussão em torno da resolução 179 da CVM por meio de suas respectivas corretoras de valores, no âmbito da Ancord. O tema não foi abordado internamente na Febraban”.
Leia na íntegra o que foi dito pela CVM:
“No que diz respeito ao pleito da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (ANCORD) mencionado em sua demanda, informamos que o assunto foi deliberado na Reunião de Colegiado, realizada em 10/09/2024, conforme divulgado no Informativo do Colegiado nº31. O inteiro teor da decisão estará disponível em ata, que será oportunamente publicada.
“Inicialmente, cabe aqui destacar que a Resolução CVM 179, previamente a sua edição, foi objeto de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de audiência pública, cuja as manifestações recebidas e sua conclusão podem ser verificadas no site da CVM.
“Adicionalmente, vale esclarecer que, quando da publicação da Resolução CVM 196, que prorrogou a entrada em vigor de determinados dispositivos da Resolução CVM 179, especialmente com relação às informações que devem ser prestadas pelos intermediários sobre aspectos de suas práticas remuneratórias, o Colegiado da CVM sinalizou que o novo prazo fixado havia sido estabelecido em caráter definitivo e não seria objeto de nova prorrogação.
“No pedido apreciado pelo Colegiado em 10/09/2024, os requerentes trouxeram diversos argumentos, sendo, um deles a assimetria que poderia ser criada entre valores mobiliários e produtos emitidos por instituições financeiras, que deixaria em desvantagem a distribuição de valores mobiliários e os intermediários que atuam preponderantemente com tais ativos.
“Sobre esse tema, a Autarquia destaca que, apesar de estar em interlocução com o Banco Central do Brasil para estabelecer regras harmônicas para a distribuição de produtos financeiros, a distribuição de valores mobiliários tem diferenças fundamentais para a distribuição de produtos originados e distribuídos por instituições financeiras. Além disso, como inclusive pode ser verificado no Relatório da Audiência Pública SDM nº5/21, a CVM já havia afirmado que ‘considerações de natureza comercial dos intermediários, embora não devam ser desprezadas, tampouco podem se sobrepor ao acesso do investidor a tais informações’.
“Com base também no exposto e acompanhando as conclusões das áreas técnicas, o Colegiado decidiu indeferir os pedidos apresentados”.